Helder Oliveira
Ao se falar de identificação e avaliação de obras de arte, rapidamente, estamos tratando de um serviço fundamental no mercado das artes, sobretudo, para a perícia em artes. No entanto, são dois estudos diferentes, mesmo que complementares. O primeiro, identificação de obras de arte, trata de reconhecer e identificar um objeto como pertencente a uma categoria especial: a das obras de arte. Enquanto, o segundo, uma vez que o objeto foi reconhecido como obra de arte, reconhece o valor financeiro dele no mercado.
Identificação / reconhecimento de obras de arte
Afinal, o que faz um objeto ser reconhecido como obra de arte?
É realmente legítimo você (se leigo na área de artes) estar se perguntando: mas o que faz um objeto ser ou não reconhecido como artístico? Por quê as garatujas do meu filho não valem tanto quanto as garatujas de Cy Twombly?
Basicamente o que diferencia os desenhos de uma criança dos feitos por Cy Twombly são parametros que unem debates de críticos de arte, historiadores, marchands, curadores, museus, centros de arte etc., enfim, instâncias, discursos e lugares que estabelecem que determinada produção humana tem caráter artístico. Cy Twombly é um importante artista para a comunidade artística internacional, é reconhecido como artista (e suas produções como arte) pelo campo das artes, pelo mercado das artes. Suas 'garatujas' fazem parte de um movimento artístico de crítica a figuração, e mesmo, são críticas à abstração geométrica. Elas fazem parte da história da arte, do pensamento artístico, da teoria da arte, e claro, do mercado das artes.
O historiador E. H. Gombrich nos dá mais uma pista quanto ele inicia seu clássico livro "A História da Arte" afirmando: “(...) nada existe realmente a que se possa dar o nome de Arte” (1993, p. 3). Ele desmonta qualquer verdade absoluta sobre a definição de arte logo de cara. De certa maneira, ele quer nos dizer que o que define um objeto como arte é o contexto original e a maneira como hoje nos relacionamos com essa manifestação. Porém, para um trabalho pragmático como o de reconhecimento de obras de arte, não podemos ficar com um conceito tão aberto. E buscamos mais parametros. Um objeto artístico também pode ser definido como um artefato e/ou um artifício (CHAUÍ, 2008, p. 283). Isso significa que é uma ação humana, que pode ou não tentar imitar a natureza ou algo natural, porém, é sempre algo feito por um humano para outro humano com a intenção de tocar a sensibilidade (nem sempre esse toque é prazeroso, já adianto dizer que a arte contemporânea a todo tempo nos testa).
A arte normalmente é associada à experiência estética. Essa é reconhecida como o que nos tira da ordinária vida do cotidiano. Ela nos propicia o uso pleno da nossa imaginação para sentir uma manifestação ou objeto cultural que nos tenha sensibilizado. Portanto, sentir é o dado fundamental para compreender, quando falamos em Estética. As manifestações artísticas são, normalmente, o que mais facilmente pode nos provocar essas reações, porém tais reações não são exclusividade do universo artístico. Então, percebemos que não é tão simples definir o que é arte pela sentido original da palavra, pela história, ou mesmo pela estética.
Contemporaneamente autores como George Dickie e Arthur Danto dão alguns passos extras e tendem a definir arte a partir do que podemos chamar de ‘teoria institucional da arte’, considerando sua dependência quanto a aspectos sociais e históricos. Hoje a abordagem corrente desaprova tentativas de se determinar o que é arte. Trata-se de uma visão que se despe da busca por uma essência da arte, criando assim um conceito de arte mais aberto e dependente do contexto. Portanto, aquilo que reconhecemos como arte é um artefato cultural que recebe o status de arte, conferido a partir do contexto (pessoas, espaço e discursos), que o reconhecem e o validam como tal. Hoje temos instrumentos específicos que nos dizem o que é ou o que não é arte. São discursos (do crítico, do historiador, do perito e conservador de museu de arte) e lugares (museus, galerias, feiras, exposições etc.) que legitimam e dão o estatuto de arte a um objeto que é relevante sensível e culturalmente para a nossa sociedade (COLI, 1981, p. 10-11).
Mesmo assim, não raro, sobretudo para obras antigas, anteriores ao século XX, precisamos de exames científicos, físico-químicos, além da avaliação estética, para verificar quais os materiais são utilizados na obra, se ela é ou não de determinado artista (devido aos tipos de materiais utilizados), de qual período (materiais também são mais típicos de um período do que de outro), e/ou região (materiais conseguem também nos dar pistas de regiões). Portanto, estudos químico-físicos podem dizer a procedência e idade dos materiais utilizados, bem como pode indicar as intervenções que já foram feitas em uma obra. Por exemplo, se ela passou por restauro ou não, se este manteve integridade matérica ou foi muito intervencionista. Um restauro mal feito pode destruir a importância artística e comercial de uma obra.
Na prática um perito, para fazer uma identificação de obra de arte, se mune de conhecimento, especialistas e ciência, cruzando informações, documentos, dados e interpretando estes para chegar a uma conclusão embasada em fatores: estéticos, de contexto histórico e científicos.
Avaliação de obras de arte
Essa é a etapa em que o perito colocará a obra, uma vez reconhecida, no cenário das transações financeiras do mercado específico das artes. Muita gente pode achar que uma obra de arte não tem preço, ou que o preço em valores monetários nunca alcançará o que significa o valor em termos culturais. E, de uma certa maneira, elas têm razão, mas por outro lado, vivemos em uma sociedade capitalista, portanto, dar um valor financeiro, é dizer sobre a importância de determinado tipo de objeto no mundo. Em alguns casos, há obras de arte que realmente são quase impossíveis de darmos um veredicto de preço. No entanto, a grande maioria, a grande maioria mesmo, são passíveis de serem avaliadas. Avaliar é importante para que se estabeleça um parametro para valores de seguros, organização e gestão de patrimônio (pessoa física e jurídica), inventários, divisão de bens etc.
A avaliação não é uma prática tão fria quanto possa parecer, pois é necessário também reunir diversas informações para poder avaliar (e interpretá-las) de maneira precisa. O valor de mercado de um objeto, depende de qualidades variadas, que passa por elementos que a perícia verifica antes (como autenticidade, antiguidade, originalidade e autoria de obra de arte), há os dados de mercado (quanto vale no mercado obras do mesmo artista, do mesmo período ou fase, se há raridade ou não etc.) e o estado de conservação da obra (por exemplo, a obra pode ser um quadro potencialmente valioso, mas se é detectado um restauro mal feito, ela pode perder completamente o valor comercial), isto pensando de maneira, geral, pois fazer a avaliação de uma obra do Renascimento, não será igual verificar o valor de uma obra contemporânea, o que é certo e importante é ter na equipe especialistas para fazer uma avaliação realista.
Um erro comum é partir do pressuposto de que ou o objeto 'não vale nada', ou de que 'vale uma fortuna' (os extremos). Antes de pressupor, fale com um perito e faça uma identificação e/ou uma avaliação. Ele te tirará deste limbo que é o 'achismo' e demonstrará se vale ou não fazer um estudo aprofundado da obra (com exames técnico científicos, por exemplo). Além disso, este profissional pode catalogar, fazer laudos técnicos, enfim, te auxiliar a ter consciência sobre o que você tem em mãos, criar uma documentação que assegurará tudo o que foi levantado sobre a obra, tudo o que ele estudou e descobriu sobre a sua obra de arte, ou sobre a antiguidade, incluindo o seu valor.
Ficou interessada(o), entre em contato pelo email: helder.oliveira@periciaemartes.com.br